“Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver”
– Ailton Krenak
Ailton Krenak é um líder indígena, autor dos livros “Ideias para adiar o fim do mundo” e a “A vida não é útil” e que dentre suas muitas discussões questiona o nosso envolvimento com a vida e com a natureza.
Muitas vezes a ideia de desenvolvimento e de trabalhador proativo e produtivo não nos considera seres humanos. Gente boa e eficiente é gente imbatível, que produz a cada minuto do seu dia.
Nessa lógica, valorizamos a constância de uma produtividade ideal, e do que muitas vezes chamamos de “inteligência emocional”. Justamente a constância que inúmeras vezes representa nosso processo de morrência.
Para entender isso, basta pensar no funcionamento do seu coração, um órgão vital! O equilíbrio do coração não mora nas suas constâncias (linha reta), mas nos altos e baixos que sinalizam que ele se mantém em movimento. A linha reta em monitor cardíaco é a representatividade da morte, da ausência de batimentos.
Ao anestesiar e calar as inconstâncias, os pedacinhos de incômodos e afetos que nos lembram a vida que mora em nós, construímos uma vida encapsulada, amordaçada e sufocada por um cotidiano desumano. Nessa vida, que resume tempo a trabalho e trabalho a utilidade financeira, terminamos o dia sem histórias. Comemos, bebemos, conversamos, nos relacionamos, mas tudo de forma tão automática que continuamos com a sensação de que não vivemos o dia: passamos pelo dia, mas não o experienciamos. Cheiros, sabores, desprazeres e encantamentos tudo parece apagado! Então usamos as redes sociais, as mídias digitais e filmes para sorrir, chorar e “interagir”.
Krenak no livro “Ideias para adiar o fim do mundo” aponta que a sua provocação para adiar o fim do mundo é que sempre possamos contar mais uma história. Com isso, eu entendi que para que se torne possível contar uma história precisamos experimentar o processo de viver memórias que mereçam ser contadas.
Qual é a história que você pode contar sobre o seu dia hoje? Você a sente como algo que mereça ser compartilhado?
Ela envolve cheiros, anseios, decepções, desesperos e realizações ou é apenas mais um cotidiano repleto de tarefas vividas de forma mecânica e apagada?
Entendo que Krenak é uma daquelas referências que merecem ser compartilhadas justamente por nos relembrar a nossa humanidade e nos encorajar a viver de forma coerente com ela. Ele nos convida a repensar essa noção de utilidade, incentivando que possamos apostar na vida que nos é possível aqui e agora, e nesse mesmo ponto de partida construir histórias que mereçam ser contadas.