Vanessa Ribeiro Psicologia

Limites, invasões e proteções

Ao longo da minha trajetória como psicoterapeuta tenho a oportunidade de acompanhar muitas histórias, acessar a intimidade contida em muitas delas. Como intimidade estou entendendo aqueles tabus, sentimentos e experiências que às vezes temos dificuldade de dividir até com a gente mesmo. Essas relações me ensinam muito, o tempo todo. E um dos grandes aprendizados que posso compartilhar com vocês é sobre limites, proteções e invasões. E para ilustrar um pouco do que aprendi, vou usar a figura de 3 casas.

A primeira casa é a casa da colina, construída em um lugar pouco acessível para muitos, essa casa tem uma história de invasões, e por isso hoje encontra-se protegida. Ela tem seus cômodos trancafiados, e embora às vezes deslumbre seus visitantes com a bela paisagem do seu exterior, o seu interior encontra-se fechado, e desconhecido aos estrangeiros. A beleza contida nos seus cômodos já foi acessível a muitos em alguns momentos, mas por não saberem cuidar dela do jeito que merecia, essa casa precisou se fechar. Hoje não é fácil adentrá-la, é preciso conquistar sua confiança, para que algumas de suas trancas sejam abertas. Ela deseja relações, mas o medo mantém nas suas fechaduras trancadas a segurança de que ela necessita.

A segunda casa é conhecida como casa da mãe Joana. Nela tudo pode, todos cabem, a qualquer momento, de qualquer forma e em qualquer horário. O outro aqui é o mais importante, então esta casa existe para servir aos seus visitantes. Seus desejos? Ninguém sabe… Essa casa foi construída como abrigo e espaço de descanso para todos, mas não aprendeu que ela também precisa abrigar-se e descansar. É uma casa aonde muitas histórias acontecem, mas nenhuma é dela, são apenas histórias que a envolvem. Aliás, nada parece ser dela, nem ela mesma.

A terceira casa é a casa-desafio, essa casa aprendeu o seu valor, então encontra-se disponível para lindas experiências com seus visitantes, no entanto isso não vem de graça. Eles são desafiados a encontrar as formas de acessá-la. Nessa casa nada é óbvio, tudo é singular, e vai merecer o acesso ao seu interior quem estiver disposto a descobrir o caminho para adentrá-la e, parte importante desse caminho é o respeito e o cuidado com esse novo território.

Trago esses três exemplos de casa como possibilidade de identificarmos a nossa história, e o seu papel na construção dos nossos limites e proteções. Alguns de nós um dia estivemos plenamente abertos para nos relacionarmos com o mundo, mas fomos violentados, invadidos e/ou menosprezados em algumas dessas experiências, e para isso precisamos nos fechar, construir proteções, que em algum sentido hoje podem nos impedir de viver as relações que desejamos viver.

Alguns de nós também podemos vir de uma história onde o desejo do outro era sempre mais digno e mais importante que o nosso, então construímos relações de servidão e utilidade, onde os meus desejos e os meus limites estão sempre em último lugar. Hoje, essas relações podem sufocar você. A dificuldade de dizer ‘não’ e de colocar limites cria aprisionamentos sutis em espaços que nos pertencem.

Poucos, bem poucos de nós, fomos criados em ambientes que mostraram o nosso valor e construíram a partir dele pontes saudáveis na relação com o outro, onde é preciso investimento dos dois lados para que a relação aconteça. Geralmente, essa terceira casa vem de um caminho de construção pessoal, repleto de questionamentos e doses diárias de autoconhecimento. É um caminho doído, mas que, em geral, cabe naquelas dores tão necessárias ao nosso amadurecimento.

Essas três casas são apenas reduções dos muitos caminhos que ajudam e dificultam a construção dos nossos limites e proteções, mas ter consciência do funcionamento da sua “casa do hoje” e acessar a história da construção dessa casa ajuda a localizar um ponto de partida, e o caminho que você deseja percorrer daqui pra frente.

Talvez alguns de nós precisaremos afrouxar limites e proteções, outros construir e legitimar os limites necessários à muitas relações… Mas no fim das contas, somos todos humanos tentando encontrar beleza na arte de viver autenticamente as nossas relações.

Sigamos juntos!

8 comments

  1. Nossa, Vanessa! Que analogia didática e extremamente útil! Fica bem mais compreensível e acessível buscarmos as chaves das portas da primeira casa, organizar a segunda e manter o processo constante da última. Muuuuiiitoooo obrigada por sua generosidade em nos presentear com esta reflexão! Sucesso e paz sempre! 🙏😍

  2. Como sempre analogias sensacionais e de extremo entendimento! Dá um quentinho no coração saber que há pesosas de diferentes casas com diferentes motivos em busca de diferentes mudanças. Todos nós carregamos escrituras distintas de nossas casas, cabe a nós saber o que fazer a cada dia com as paredes que nos cercam. Amei!!

    1. Erika, que especial ter você por aqui!:)
      Exatamente, entender a singularidade de cada casa, de cada história nos ajuda a respeitar e acolher suas diferenças.

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