Vanessa Ribeiro Psicologia

Reflexões sobre a pandemia

E de repente uma neblina pairou sobre nós, nos mostrando que não basta ter olhos funcionando para enxergar o que está à nossa frente. Imagino-me dirigindo meu carro, e me deparando com uma neblina que me impossibilita ter clareza sobre o meu caminho. Você já viveu essa experiência? De ter que continuar conduzindo apesar da falta de clareza e controle do que está diante de você? Essa pandemia pra mim se assemelha a experiência de dirigir em meio à neblina. Ela me provocou a angústia de estar perdido, das incertezas do que nos espera a seguir. Só é possível encontrar o agora, e ele contém medo, muitos medos… de machucar alguém, de perder o controle, do meu esforço não ser o suficiente para garantir a minha segurança e de todos que me acompanham nesse carro e nessa estrada…

Quanto tempo vai demorar para essa neblina dissipar?

Em quanto tempo será possível voltar a ver nitidamente?

As perguntas pairam sobre a minha cabeça na mesma velocidade em que as incertezas se fazem presentes…

Quantos sentimentos conseguem se fazer presentes ao mesmo tempo?

O que é possível aprender sobre condução diante de uma neblina?

Será que além de nebulosidades, também é possível que uma neblina nos ensine sobre nitidez?

Aos poucos pude perceber o quanto essa neblina me convidou a perceber a cegueira que nos acometia antes mesmo da sua chegada. Ela nos convoca ao desejo de fazer ver…

A correria e as exigências diárias nos impelem a fazer mais, a ganhar mais, a comprar mais, a viver mais e ser mais feliz. Em meio a tanta demanda por ter e conseguir “mais”, passamos a “ser” menos… menos corpo, menos presença, menos experiência, menos inteiros. Paradoxal, não?

Oftalmologistas nos garantem olhos bem cuidados, lentes e óculos são aparatos que construímos para ver melhor, mas isso tem sido suficiente? Para onde estamos olhando?

“O essencial é invisível aos olhos” já dizia o pequeno príncipe. É preciso mais que olhos para ver, mais que ouvidos para escutar, e preciso mais que um coração batendo para se viver de fato!

E talvez, só talvez, a neblina que hoje paira sobre nós esteja nos mostrando outras formas de ver:

Que desacostumar das certezas também pode ser um convite às novas formas de seguir;

Que um cenário nítido, não é necessariamente algo percebido, assim como uma nebulosidade pode não ser só escuridão;

É preciso tempo para que a neblina se dissipe, isso é bem verdade, mas a vida e a estrada continuam existindo durante esse processo. E para seguir em meio a neblina é preciso andar mais devagar, é preciso cautela, se faz necessário reconstruir referências e focar no essencial.

Dirigir na neblina nos convoca inteireza, não há espaço para a distração. Contudo, uma música pode embalar sua condução. Pode ser leve, sem deixar de ser responsável.

Que esta pandemia, a neblina que hoje paira sobre nós, nos ensine:

Que, às vezes, andar mais devagar é garantir a segurança;

Que quando tudo parece confuso, é preciso se dar tempo para construir novas referências que te permitam seguir;

Que nossas necessidades mudam de acordo com a situação vivida, embora algumas necessidades estejam sempre presentes (variando apenas no quanto e com que intensidade precisamos delas);

Que o essencial, muitas vezes é invisível aos olhos então precisaremos senti-lo, percebê-lo de outras formas;

Por fim, que esta neblina nos mostre que viver é muito mais do que ser um corpo produzindo neste mundo. É construir novas formas de (re)existir a cada vez que as mudanças se apresentam na nossa estrada. É se dar a possibilidade de rever caminhos e/ou repensar as nossas formas de caminhar.

Vida é movimento, e alguns deles são visíveis ao mundo, outros acontecem dentro de você. Perceba as transformações que a pandemia está produzindo em você, e sinta que estamos juntos seguindo nessa estrada.

16 comments

  1. Maravilhosa reflexão…muitas nuances, por aqui, a neblina foi dissipando com as palavras. Entre a clareza e a escuridão, há o essencial, “invisível aos olhos”…

  2. Sinto me exatamente perdida, tenho dor de cabeça todos os dias, durmo mal, e tenho dificuldades com o trabalho, me concentro e desenvolvo bem os serviços do lar , mas em relação ao trabalho estou com dificuldades de desnvolver. Mas creio que dias melhores virão. A certeza de que eu tenho tudo e pra tantos falta tudo , me angústia. E me deixa muito debilitada, não deve sair, ter contato, e etc, como ajudar mais , amém do que tenho feito????

    1. De fato tem sido um período de muitas adaptações, o que não é fácil. Sabemos que cada um de nós tem recursos diferentes para lidar com tudo isso, então penso que o nosso compromisso pode ser com o nosso MELHOR POSSÍVEL, aqui e agora. Desejo que você consiga acolher as suas limitações e admirar o que tem conseguido realizar.

  3. Que texto maravilhoso! Me senti dentro dele em todo o processo que ele vai descrevendo. Obrigada e parabéns pela capacidade de um expressar tão sensível… bj

  4. Sensatez e equilíbrio é o que vejo em seu texto. Muito obrigada por compartilhar sua percepção conosco, Vanessa! Sigamos juntos nessa estrada, cuidando de nós e de todos! 🙏

  5. Eu e eu me adequar perceber isso tudo e digerir não foi tão facil, ainda estou digerindo!
    O ruim é não ter a sua formação profissional e ter que passar esse fato tão pesado pra alguém que eu ame, de uma forma tão sutil e sensata que vos mesmo passou e o pior é se de repente esse alguém não tenha o mesmo princípio ou discernimento que eu tenho e que eu o (a) ame mesmo assim! Cuidar.

  6. Parabéns, maravilhosa a mensagem, Vanessa Ribeiro, isto realmente é uma forte neblina que paira sobre nós, e vamos nos reciclar e sermos mas humano e nos preocupar com o hoje, cuidar dos nossos semelhante nem que seja com a palavra, parabéns!!!!

  7. Excelente texto Vanessa!!! Essa pandemia está nos dando a oportunidade de nos olharmos por inteiro, de ressignificarmos e refletirmos sobre aquilo que realmente vale a pena!!

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